CAPÍTULO 23: O DIABO NEGRO
Sente-se, meu querido viajante.
Hoje, sob a luz bruxuleante da lamparina e ao som das brasas estalando na lareira, vou lhe contar sobre uma criatura das profundezas. Não dessas que se pesca com vara ou rede… mas uma que espreita nas trevas do fundo do oceano, onde nem a luz ousa se aventurar. Falo do peixe-diabo-negro — Melanocetus johnsonii, se quiser falar com pompa de erudito. Mas te adianto… chamar de “diabo” não é à toa.
Habita onde o sol não brilha, e os olhos veem apenas o que o medo inventa.
Este serzinho, do tamanho de uma taça de vinho, vive lá nos confins abissais, a mais de mil braças de profundidade. É um reino de escuridão eterna, onde a pressão esmagaria o casco de qualquer embarcação comum, e o frio morde os ossos como um inverno que nunca se desfaz.
Mas o diabo-negro… ah, ele reina por lá.
Seu corpo, coberto por uma pele escura feito carvão molhado, é quase invisível naquele breu. E bem no topo da cabeça, traz um estandarte vivo: um filamento luminoso, uma isca encantada que bruxuleia como fogo-fátuo. Peixinhos desavisados, curiosos ou simplesmente famintos, seguem a luz como marinheiro atrás de sereia — e aí, meu caro, é o fim da jornada.
Num estalo, a mandíbula do diabo se abre como uma armadilha ancestral, revelando dentes longos e curvados como adagas de alquimista maldito.
Mas não pense que estamos falando de um predador comum.
Este peixe — este abismo em forma de criatura — não caça com pressa. Ele espera. Espera como esperam os vingativos. Como esperam os deuses esquecidos.
E quando a fome vem… bem, digamos que ele pode engolir presas maiores do que ele próprio. O corpo, flexível como o de uma salamandra infernal, se molda pra caber o que for. Um feitiço da evolução, se quiser chamar assim.
Mas o que mais assombra não é seu dente, nem seu brilho — é sua maldição amorosa.
Veja só, as fêmeas são as verdadeiras donas do espetáculo. Podem chegar a vinte vezes o tamanho dos machos. E os machos? Ah… pobres almas. Nascem apenas para encontrar uma fêmea, morder-lhe o flanco, e ali… fundem-se a ela. Literalmente.
O corpo do macho vai se desfazendo, como vela ao vento, até restarem apenas os testículos, que ela carrega como se fossem poções presas à cintura. Ele já não é peixe. É apêndice. É oferenda. Amor ou tormento, depende do bardo que canta.
Ficha da Criatura – Diabo-Negro Abissal
Nome científico: Melanocetus johnsonii
Tamanho: Fêmea, até 18 centímetros. Macho, meras moedas de prata.
Habitat: Zonas abissais dos oceanos (a partir de mil metros de profundidade)
Isca luminosa: Órgão bioluminescente, usado para atrair presas
Dieta: Qualquer criatura menor — ou tola — o bastante para seguir sua luz
E se perguntas por que se fala tanto dele entre estudiosos, alquimistas do mar e contadores de lendas… é porque o diabo-negro é um espelho do próprio oceano: belo na sua escuridão, cruel na sua fome, e misterioso como os próprios deuses esquecidos das marés.
Já tentaram capturá-lo vivo? Sim, claro. Mas levá-lo à superfície é condená-lo. A pressão o estoura, a luz o cega, o calor o dissolve. É como tirar um espírito de seu santuário sombrio. Só sob feitiços modernos — esses frascos de pressão e tubos de vidro — é que se consegue espiar sua vida, mas mesmo assim… ele murcha, perde a dança.
Curiosidades Que Valem o Pão da Jornada
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Sua luz é feita com ajuda de bactérias — sim, as próprias — que vivem em harmonia com a fera, como se fossem fiandeiras de lanterna mágica;
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Pode passar meses sem comer. E ainda assim, sobreviver, sorrindo com os dentes do caos;
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Cada fêmea pode ter mais de um macho fundido ao corpo — um harém de fantasmas, diria eu;
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Pouco se sabe sobre seu nascimento, mas acredita-se que nasçam nas águas médias, e só depois mergulhem rumo ao esquecimento do fundo.
Então, se algum dia o destino lhe botar num barco errante, e este for tragado por uma tempestade, e se cair até onde os sussurros não voltam… talvez veja uma luz solitária dançando nas trevas. Mas cuidado, viajante. Nem toda luz leva ao farol. Algumas… levam à boca do abismo.
E agora, com a caneca cheia e o coração mais leve, diga-me: quer ouvir sobre a lula vampira?
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HORA DE PROVAR SUA BRAVURA