CAPÍTULO 7: A DOMESTICAÇÃO DOS CÃES
Sente-se, meu querido viajante.
Acomode-se perto do fogo, que a noite é longa e a história que tenho a lhe contar vem de tempos tão antigos quanto os primeiros passos da humanidade sob as estrelas.
Nome vulgar: Cão
Nome dos eruditos: Canis lupus familiaris
Terras de origem: Velhas planícies da Eurásia
Porte: Vai do tamanho de uma abóbora de inverno ao de um pequeno lobo, conforme a linhagem
Dom notável: Compreende gestos e ânimos do homem como nenhum outro — jura lealdade até a morte
Relato ancestral: Foi o primeiro dos bichos a unir-se ao fogo do homem, há mais de 15 mil invernos
Perigos que o rondam: Crueldade dos homens, abandono vil, e cruzamentos sem honra
Hoje falarei sobre os cães — sim, esses mesmos que rondam as aldeias, que aquecem os pés dos velhos e vigiam as portas dos celeiros. Mas engana-se quem pensa que eles sempre foram assim… fiéis, companheiros, guardiões. Não, não. Houve um tempo em que os ancestrais dos cães eram tão selvagens quanto o lobo que uiva à meia-noite nas florestas do Norte.
Dizem os bardos mais estudiosos que tudo começou há mais de quinze mil invernos. Num mundo mais frio, onde os homens viviam do que caçavam e do que a terra endurecida deixava colher. Os lobos, então, não eram nossos aliados — mas rivais de presas, senhores dos uivos e das sombras. Mas ali, entre os galhos secos e o estalar das fogueiras primitivas, algo mudou.
Alguns lobos, mais ousados ou mais famintos, começaram a se aproximar dos acampamentos. Talvez em busca de ossos. Talvez em busca de calor. E os homens, por sua vez, viram utilidade naquela criatura de olhos atentos e faro aguçado. Começaram a alimentar os menos agressivos… os mais dóceis. E geração após geração, o lobo foi virando cão.
Um pacto silencioso foi selado: proteção por comida. Companhia por aceitação.
E assim nasceu a mais antiga aliança entre espécies que se tem memória — a do homem e do cão.
Mas ouve bem, meu bom viajante…
A domesticação dos cães não foi feita com correntes nem feitiços. Foi tecida devagar, com convivência e necessidade. Os primeiros cães ajudavam na caça, alertavam sobre invasores e aqueciam as noites gélidas com seus corpos e sua fidelidade muda.
Curioso, não? Hoje vemos cães de todo tipo — dos grandes como cavalos pequenos, até os que cabem numa bolsa de alquimista. Mas todos, sem exceção, são filhos daquele mesmo pacto ancestral. Lobos, domesticados pela necessidade e moldados pela mão do tempo.
Sabia que os cães conseguem entender gestos humanos melhor do que qualquer outro bicho? Até mesmo melhor que os primos macacos? Pois é. Não é só truque de adestrador de feira. É coisa que vem no sangue, herança de milênios ao nosso lado.
E há mais. Alguns arqueólogos — esses cavadores de passado — encontraram restos de cães enterrados com seus donos. E não é de hoje, não… túmulos com mais de oito mil estações. Ou seja: os laços que temos com eles não são de agora. São laços sagrados, tecidos com afeto, suor e lealdade.
Agora, preste atenção nesta: em certas culturas antigas, acreditava-se que os cães guiavam as almas dos mortos. Sim, como se fossem guardiões do além. E quem sou eu pra duvidar? Já vi cão chorar em cova rasa. Já vi bicho que não arredava pata de túmulo de seu mestre, nem com fome, nem com frio.
Há raças de cão que só existem porque o homem moldou o seu destino: cães pastores que guiam rebanhos como se contassem carneiros em sonho; cães de caça que farejam como se o cheiro fosse mapa; cães de companhia que parecem ter nascido pra ouvir segredo de criança ou lamber lágrima de viúva.
Mas o que poucos sabem é que mesmo os mais mansos guardam, lá no fundo do olhar, um fio da selva. Um sopro de lobo. Dê-lhes liberdade e verão, por instinto, perseguir sombras, farejar trilhas, uivar pra lua.
E é por isso que eu digo, entre um gole e outro: o cão não é só bicho. É memória viva de um tempo em que homem e fera fizeram acordo sem palavras. É a lembrança de que nem toda amizade nasce de sangue — algumas nascem de respeito mútuo e de noites frias demais pra se passar sozinho.
Então, se tens um cão ao teu lado, trata-o bem. Ele carrega em si séculos de lealdade. E se ainda não tens… bem, talvez seja hora de deixar um desses guardiões antigos entrar em tua vida.
Agora vá, se ainda tens estrada pela frente. Mas leve contigo essa história no alforje. Quem sabe, numa outra taverna, em outra encruzilhada, não seja tu a repeti-la a outro viajante cansado?
E se fores mesmo sábio, brindarás a ela. Porque há poucas coisas neste mundo mais nobres do que a amizade de um cão.
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HORA DE PROVAR SUA BRAVURA
Por desventura, cruzaste o caminho de um lobo de espírito enraivecido, que lançou sobre ti seu intento de devorar-te. Lança o dado de vinte faces e confia tua sorte aos desígnios do destino…